UM TRECHINHO PARA VOCÊS...

                                  Capítulo 6


                                              

                                         Um Contato


      ...Mais tarde, quando seguíamos para nossas casas depois do banho restaurador, quase nos chocamos com as duas, na curva da trilha que dá aqui no rio. O susto foi grande ao nos reconhecerem. Ambas demonstraram que pretendiam fugir, mas, contrariando minha constatação, permaneceram paradas, com os olhos arregalados. Nós três estávamos surpresos e ficamos sem reação, confusos por não terem saído correndo. A cena era: os cinco imotos. Elas nos encarando e vice-versa. Leonor tremia, num momento parou os olhos somente sobre Jordan, porém logo os desviou. Eu acho que pensava que ele poderia querer mata-las por diversão. Ele seria o monstro psicopata e nós seus cúmplices. Foi especialmente naquele instante que eu tive a consciência do quanto elas o temiam. Eu via aquilo como uma piada. Ainda não conseguia assimilar essa ideia que tinham dele ser perigoso. Era até possível que Leonor pensasse que, mantendo distância dele, Jordan sequer soubesse de sua existência. Ah, se ela percebesse o quanto ele a amava!
     - Como vão as duas? – Nelson tomou a iniciativa.
     Por não estarem esperando, elas estremeceram ao som da voz dele.
     - B-Bem. – Yola respondeu gaguejando.
     Quanto tempo fazia que eu não a via tão de perto, a centímetros de minhas mãos. Tive que conter o desejo de abraça-la de contentamento. Que olhos lindos, que lábios lindos, que cabelos lindos...
     - Estão indo para o rio? – Perguntei só para que ela me olhasse.
     E consegui. Meu coração quase parou.
     - Não mais. – Ela disse.
     “Falou comigo!”. Pensei. Em segundos repeti aquela frase várias vezes em minha mente, no tom de voz dela. Até que Leonor se manifestou:
     - Vamos embora, Yola!
     Estava bem aflita.
     Lembrei-me então de Jordan. Quando o fitei vi que parecia hipnotizado. Não piscava e não olhava para mais nada além da figura dela. Se Yola não existisse eu também me permitiria maravilhar àquela hora com excessiva beleza.
     - É impressão minha ou estão mesmo com medo que façamos algum mal a vocês? – Nelson perguntou só para provoca-las.
     Empalideceram e tornaram a trepidar.
     - Pare com isso, Nelson! – Eu o repreendi sério e precisei me esforçar para tornar a ter coragem de encarar Yola – Não somos o que pensam, não somos amigos de um louco descontrolado, pois ele não o é... Não deem ouvidos às mentiras que as contam. Você nos conhece, Yola...
     - Eu os conhecia... Hoje não sei quem são.
     - Tento entender por que se afastou de nós.                                                                                        
     - Eu sei que sabe que é por causa dele. – Disse apontando para Jordan. Ele, por sua vez abaixou a cabeça, envergonhado – Se não ficassem o tempo todo em sua companhia não teríamos o que temer. Já que andam com ele, eu só posso pensar que são do mesmo jeito.
     -E realmente somos. – Nelson falou – Mas como ele é de verdade e não como acreditam que seja.
     Leonor pareceu relaxar um pouco e mostrou uma feição de contrariedade. Olhava então só para Jordan, ainda cabisbaixo.
     - Não ouçam um único lado da história. – Eu disse.
     - Você não fez todas aquelas coisas? – Leonor perguntou a Jordan.
     Quando se deu conta de que ela falava com ele tratou de fita-la, meio que num impulso. Mas ao abrir a boca para falar, Nícolas surgiu da curva da trilha.
     - O que fazem aqui com eles?! – Perguntou indignado. Todavia sei que ficou receoso com aquela cena, já que fez tanto para afasta-las de nós – As procurei por toda parte! Vou contar aos seus pais! Yola, meus tios vão te enforcar!
     - Foi por acaso, Nícolas! – Disse Yola preocupada.
     - É! Quase nos chocamos! – Completou Leonor.
     - Vão embora logo, não devem permanecer aqui! Que bom que cheguei antes deles terem lhes mostrado do que são capazes! Eles são perigosos!
     - Será mesmo? – Yola questionou.
     Eu quase inflei de satisfação. Nícolas a fitou perplexo.
     - Está enlouquecendo?! Vão embora agora!
     Intimidadas fizeram o que ele mandou. Antes Yola ainda me olhou fixamente e eu fiquei nas nuvens.
     - Afastem-se delas! – Nícolas Proferiu sério.
     - Anda iludido com suas próprias mentiras, Nícolas? – Nelson perguntou – Já inventou tanta coisa que deve estar acreditando nelas.
     - Vamos fazer o que pudermos para as obrigarem a pensar melhor em tudo o que você as deve ter falado. Começaremos com as duas, do resto da Vila cuidaremos depois. – Eu falei.
     - Não inventei nada. Muitas coisas eu ouvi de outros lábios.
     - Com certeza de pessoas como você!
     - Vão acabar banidos com o “Leproso”! E para a segurança das meninas eu as manterei longe de vocês!
     - Tanto esforço para esconder que foi você quem fez aquilo ontem!
     - Rá! Rá! Seus argumentos tolos não podem mudar o que realmente aconteceu!  
     - Talvez eu seja mesmo capaz de tudo o que disseram que eu fiz. – Jordan enfim se manifestou, encarando Nícolas com uma expressão que eu nunca havia visto. Se eu não confiasse nele, ali eu teria certeza dele ser de fato o monstro que diziam ser. Nícolas a princípio achou ser um blefe, mas a dureza nos olhos de Jordan o desarmou e ainda notei um leve amedrontamento – Quer que eu prove que não estão enganados?
     Nícolas não soube o que dizer. Então Jordan se aproximou dele. Eu via a hora daquele tolo sair correndo.
     - Quer que eu prove? – Tornou a perguntar.
     - Fiquem longe delas! – Nícolas ordenou e enfim fez o que eu aguardava.
     Acho que correu sem parar até a Vila. Eu confesso que enquanto observava Jordan ali, de costas, eu inconscientemente o temi e hesitei tocar em seu ombro para chama-lo. Mas o fiz.
     - Vamos? – Minha voz saiu meio tremida.
     Após uns tensos segundos de espera ele finalmente se virou, para o meu alívio, com um inesperado sorriso.
     - Que cara ele fez!
     - Conseguiu enganar até a mim! – Eu disse também sorrindo.
     - Agora é que ele vai ter mais certeza ainda das coisas que inventa. – Observou Nelson - Para provar que ele tem culpa nos incidentes vai dar trabalho.
     - Nesse momento não estou me importando com nada, não ligo para o que ele está pensando ou quem fez o quê, porque hoje foi o dia em que Leonor Veiga falou comigo, ela olhou para mim, eu a vi de perto... – Deu um longo suspiro – Quase penso que foi um delírio meu.
     - Que nós três tivemos? – Eu disse animado – Não foi não. Foi tudo realidade, eu garanto.
     - Yola a cada dia fica melhor. – Nelson observou e ouvir isso foi como se ele me perfurasse com um punhal. Ele ainda a amava também. Como eu o faria esquecê-la? Queria que outra andarilha surgisse e o enfeitiçasse como Leonor enfeitiçou Jordan. Mas tinha o pacto e ainda valia para nós dois... Ela seria de ambos ou de nenhum. Eu seria um traidor desprezível se não honrasse a promessa. Como eu odiava aquele pacto! – Vivo sonhando com ela. Mas se um dia a conquistarmos e não aceitar os dois, não se preocupe, Davi. Se entre mim e você ela me escolher eu desisto dela, por consideração a nossa amizade e ao que combinamos.
     Ele pareceu ter lido a minha mente. Por um lado fiquei aliviado, porém, por outro achei então que Yola nunca seria só minha enquanto existisse essa promessa. A única coisa boa tirada disso foi sentir que eu podia confiar em Nelson. Por isso minha obrigação era a de corresponder a tal fidelidade.






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                                           Capítulo 20


                                                                     Às portas




     Caminhamos mais um quilômetro e enfim chegávamos a tal ponte sobre o precipício. Ao longe a avistamos, nos dando conta do seu péssimo estado apenas quando nos aproximamos dela. Acho que havia anos que não ganhava algum reparo, se é que alguém ao menos ainda chegava perto dela. Devia ter uns trinta metros de comprimento, formada por cordas grossas amarradas a quatro troncos fincados no chão, dois de cada lado do penhasco. Duas delas eram os corrimões e mais duas, na mesma espessura, continham as tábuas de mais ou menos cinquenta centímetros, devidamente presas. Era nelas que pisaríamos. Para dar maior segurança, cordas mais finas se interligavam entre as tábuas e os corrimões, em toda a extensão da ponte, da cada lado.
    Seu balançar lento lembrava-me um velho com o pé na cova, sentado numa cadeira de balanço, nos olhando com ar traiçoeiro e sussurrando: "Se atrevem mesmo a me enfrentar?"
    Ouvíamos tensos o seu ranger. Nelson se aproximou da beira do precipício e olhou para baixo. Lá só havia pedras.
    - Cair é morte certa. - Falou logo voltando a nós.
    - Era o que precisávamos ouvir Nelson, obrigado. - Eu disse - E agora? Não tem outra maneira de atravessar.
    - Quando eu ouvia falar dessa ponte não imaginava que era praticamente um fio pendurado de uma ponta a outra.
    - Já devemos estar perto. - Observou Jordan - Eu posso atravessar sozinho e sigo caminho. Não tem necessidade de se arriscarem.
    Aquela ideia soou como o som de violinos aos meus ouvidos. Todavia, jamais poderia aceita-la e nem Jordan mostrava estar desejando que nós, de fato, assentíssemos com aquilo.
    - Viemos para te deixar em sua nova casa.- Falei.
    Ele bem que tentou impedir um sorriso de alívio,mas seu esforço foi inútil.
    - Então tudo bem, já que insistem. E como vamos fazer? Todos juntos ou um de cada vez?
    Nós nos colocamos a pensar. O lado bom dos três se arriscarem a ir logo seria o fato de ficarmos livres de uma vez, porém a ponte poderia não suportar os nossos pesos somados e nenhum sobreviveria. Um a um seria mais demorado, embora mais seguro e se tivesse que acontecer um desastre, apenas um perderia a vida. Não tenho dúvidas de que não se tratava de um pensamento animador, mas nenhuma hipótese poderia ser descartada. Acho que não é preciso dizer que nenhum de nós desejava o pior.
    - Um a um é melhor. - Eu disse e depois expliquei as razões de eu pensar assim e os dois concordaram - O correto então é que Jordan seja o primeiro, pois é mais importante que ele chegue ao outro lado.
    - É. E se cair, Davi e eu voltamos daqui.
    Achei de início se tratar de uma piada, mas logo vi que a intenção de Nelson estava longe de ser a de parecer engraçado. O problema era que, por mais inoportunas que tenham sido as suas palavras, ele tinha razão.
    - Esqueça o que ele disse, Jordan. A outra ponta não está tão longe. - Falei para encoraja-lo, só que sua expressão mostrou-me que eu não tinha conseguido.
    Então se aproximou da ponte, devagar. Ainda olhou para baixo antes de nos fitar novamente.
    - De qualquer forma... Eu tenho que agradecê-los por terem chegado até aqui comigo.
    - Isso não é uma despedida, eu espero! Pare de falar bobagens! Eu sei que pareço estar morrendo de medo, mas acredito que vamos mesmo conseguir!
    - É sério? - Nelson perguntou cheio de dúvida.
    - É claro! - Não tenho certeza se fui convincente - Chegamos até aqui e vamos deixar Jordan em Vale Pardal!
    - Se você está dizendo... - Falou Jordan e respirou fundo, voltando-se à ponte - Vejo vocês do outro lado.
    Como Nelson e eu, ele amarrou a trouxa quase vazia na alça do cantil. Então iniciou a travessia...
    


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